PUBLICADO EM: 16/01/2015

Rock in Rio 20/1/1985

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Convidamos a jornalista Ana Maria Bahiana, que cobriu a primeira edição do festival, para reviver aquela época. Confira como foi o ultimo dia do Rock in Rio de 1985:

Lama fedorenta até a canela? Não tem problema. Calor infernal? Não tem problema. Show mais ou menos (mas comovente, de todo modo) do Tremendão Erasmo Carlos, homenageado na conclusão do Rock in Rio como um desagravo às grosserias da plateia na abertura? Não tem problema mesmo. As multidões imundas e felizes que saíram da Cidade do Rock tarde da noite no dia de São Sebastião, padroeiro da cidade, vão com certeza levar consigo a lembrança de terem compartilhado algo histórico e intensamente feliz.

É algo além da dimensão, ousadia e visão do evento: é a experiência repartida desse povo todo, num momento da nossa história que parece uma longa manhã, iluminada e revigorante. Cada pessoa vai levar para casa dois tipos de memória: a individual, de seus artistas e bandas favoritos que, mesmo com falhas, vão sempre parecer únicos e épicos, simplesmente porque estiveram aqui; e um pedaço da coletiva, daquilo que a gente viveu e sentiu neste lugar, neste tempo, na lama, na chuva, no calor, algo que não tem nome nem explicação.

Esta última tarde/noite do Rock in Rio foi dedicada a John Lennon e Vinícius de Morais (não sei se Vinicius se sentiria à vontade na lama entre roqueiros mas…). Na verdade, pertenceu a cada pessoa que fez a peregrinação a esta lonjura de Jacarepaguá, trazendo consigo alguma coisa para compor esta grande história comum: manias, gostos, memórias, discos, cismas, amores, talvez um copo de papel cheio de lama…

Os shows da saideira tiveram uma coisa em comum: uma forte dose de emoção. Parecia que as pessoas queriam cantar mais, perdoar mais as falhas na voz, os estalos do som.  Até o mau humor de Cazuza, do Barão Vermelho, reclamando do retorno,  e o ar desconsolado de Gil, pelo mesmo motivo, passavam ao largo – não tinha mais importäncia, estar ali era tão melhor. Gil sugeriu ao público o coro “aumeta o som”. Aí mesmo é que foi festa.

Trilha boa para a festa foi a dos B 52’s, ainda mais atiçados que na sexta feira, as back vocalistas de coques bufantes imensos, Fred Schneider se desmilinguindo de calor mas no maior pique. Em algum lugar entre “Private Idaho” e “Rock Lobster” a platéia estava pulando juntinha (deve ter ajudado a solidificar a lama…).

O Yes encerrou a noite e o Rock In Rio lindamente. O oposto do show-pauleira e do show-dança, sua presença intrinsecamente musical deu uma acalmada e uma harmonizada na população da Cidade do Rock. Exceto quando, bem no meio de um momento-vhave do bis, com “Roundabout”, Nelsinho Motta resolveu fazer uma entrada na TV, ao vivo, com luz e tudo, no meio da plateia. Os copos e latas enlameados voaram. Mas faz parte. “As estações vão passar por você/ eu me levanto/ eu me deito”, diz a letra de uma outra canção do Yes, “Close to the Edge” (que eles não tocaram). Tudo é cíclico e este ciclo foi lindo. Até o próximo!

Ana Maria Bahiana

Jornalista, autora, pesquisadora, produtora, Ana Maria Bahiana tem uma longa e prestigiosa  carreira no Brasil e no exterior, em imprensa, rádio, televisão e internet. Participou da cobertura do 1° Rock in Rio para o jornal O Globo.

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